Câmbio, inflação e governo
Hélio Duque
“A inflação aleija, o câmbio mata”. Ministro da Fazenda, o engenheiro Mário Simonsen, definia os perigos que rondavam a economia brasileira no governo Ernesto Geisel. Após anos de estabilidade advinda do Plano Real, o governo Dilma Rousseff se defronta com o diagnóstico a atormentar e amedrontar o seu governo. É conceito econômico primário saber que excesso de dinheiro é gerador de pressões inflacionárias. Ao incentivar o crédito indisciplinadamente, o governo aumentou as pressões sobre a inflação. Se de um lado estimulou o crescimento da economia, do outro, com mais emprego e renda o consumidor assalariado passou a comprar mais, de acordo com as prestações que cabiam no seu orçamento. A demanda passou a ser maior do que a oferta de mercadorias e serviços.
Em 2010, no governo Lula, ampliou-se o gasto público, estímulo ao crédito e ao consumo com visão estritamente política e eleitoral. A candidata Dilma proclamava: “gasto corrente é vida”. Ao chegar ao poder defrontou-se com a inflação dando saltos consistentes de crescimento. Resultado: o governo sabe que nos últimos meses mais de 60% dos preços tem aumentado. É um retorno à velha cultura da indexação que tantos males gerou, no passado, na vida dos brasileiros. Sabe-se que 34% da dívida pública mobiliária está indexada. A inflação tem o demoníaco e perverso poder de confiscar a renda do trabalhador. Com inflação ascendente, falar em política de distribuição de renda é equívoco mortal. A “velha senhora” é inimiga da inclusão social. Por conseqüência, da imensa maioria dos brasileiros.
Quando Simonsen alertava que o câmbio tem poder mortífero não exagerava. Neste 2011, a taxa de câmbio vem sendo apontada por 82% das empresas como um dos grandes entraves para a exportação. A valorização cambial elimina a competividade dos produtos brasileiros, reduzindo a rentabilidade das exportações. As vendas ao exterior de bens manufaturados vêm encolhendo deste 2006. A performance do real e a manutenção do câmbio super valorizado agride a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. Se estende na competição desigual com produtos importados no mercado interno, favorecidos pelo desajuste cambial.
O presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, defende medidas urgentes do governo para limitar a valorização do real frente ao dólar, alertando: “Temos de tratar do câmbio de maneira urgente. Não podemos deixar como está, senão não temos futuro. O governo precisa tomar medidas duras e radicais, sob o risco de termos no Brasil só bancos”. A forte entrada de divisas provoca um excesso de oferta de dólares, buscando remuneração na mais alta taxa de juros reais do planeta. Daí a sobrevalorização da moeda brasileira. O diferencial de juros entre o Brasil e o resto do mundo é brutal. A taxa básica aqui é de 12%, ante 1% na zona do euro, 0,25% nos Estados Unidos e 0,1% no Japão. As recentes mudanças na política monetária brasileira, elevação das taxas de juros, agrava a situação.
O cenário dessa realidade: grandes empresas, bancos e até pessoas físicas tomam recursos naquelas taxas de juros e aplicam no Brasil com remuneração acima de 12%. Acrescida de valorização cambial. Uma lógica perversa para o desenvolvimento nacional. Demonstrando que a sobrevalorização da moeda tem forte componente especulativo. Ao invés de buscar mecanismos monitoradores, com controle sobre o fluxo desses capitais, objetivando evitar flutuações de curto prazo, a questão cambial é tangenciada. Estabilizar taxa de câmbio, sem algum nível de controle sobre a entrada de capitais, é missão impossível. Vale dizer: a manutenção de um câmbio supervalorizado gera conseqüências nefastas para a estrutura econômica brasileira. É o que vem acontecendo, lamentavelmente.
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.
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