De: Adriano
Benayon [mailto:abenayon.df@gmail.com]
Enviada em: quarta-feira, 12 de setembro de 2012 23:20
Para: 'Fernando Arthur Tollendal Pacheco'
Assunto: artigo - Três aniversários
Enviada em: quarta-feira, 12 de setembro de 2012 23:20
Para: 'Fernando Arthur Tollendal Pacheco'
Assunto: artigo - Três aniversários
Segue
artigo.
Cordialmente,
AB
Três
aniversários
Adriano
Benayon – 11.09.2012
I -
24 de agosto de 1954
Este
aniversário é o da deposição do presidente Getúlio Vargas, programada e
dirigida pelos serviços secretos estadunidense e britânico.
2. A
quadra histórica era decisiva. O Brasil – desde sempre dotado de
colossais recursos naturais – havia, a partir de 1930, acelerado o processo de
substituição de importações industriais, graças a três fatores principais:
a) a
falta de divisas, advinda da crise financeira e econômica mundial, com a queda
da demanda por café e outros produtos primários;
b) a
tensão entre potências mundiais de 1933 a 1939, e daí a 1945 a Segunda Guerra
Mundial;
c) a
Revolução de outubro de 1930 e os posteriores eventos políticos no Brasil até à
primeira deposição de Getúlio Vargas, em 29.10.1945.
3. Os
dois primeiros fatores são as condições de crise e oportunidade. O terceiro é o
papel das instituições políticas geradas em resposta à crise, as quais
transformaram a estrutura econômica no sentido de reduzir a dependência da
exportação de matérias-primas. Além disso, Vargas mandou proceder à auditoria
da dívida e liquidou os títulos no mercado secundário, com grande desconto.
4.
Ele se manteve na chefia do governo durante aqueles 15 anos, conquanto de
novembro de 1937 a 1945 dependesse das Forças Armadas, a fonte de poder
instituidora do Estado Novo.
5.
Por terem as políticas de Getúlio Vargas desagradado as potências
anglo-americanas, era questão de tempo ele ser apeado da presidência,
terminada a Guerra Mundial (maio de 1945),
6.
Durante a Guerra, Vargas teve de colaborar com essas potências, as quais,
não mais precisando dele, teleguiaram a oligarquia local, políticos,
mídia e chefes militares para depor o “ditador”, sob o pretexto de que queria
ficar no poder.
7.
Isso não tinha cabimento, porque Vargas convocara eleições e se dispunha a
passar a presidência ao eleito. O golpe de 1945 foi só vingança e tentativa de
humilhar o líder trabalhista.
8.
Por ocasião do golpe de 1937, os chefes militares, movidos pelo anticomunismo,
estavam divididos entre simpatizantes do imperialismo anglo-americano e
partidários das potências nazi-fascistas. Assim, Vargas pôde atuar como
fiel da balança e no interesse nacional
9. Os
militares nacionalistas não ocupavam posições que lhes habilitassem a
imprimir rumos diferentes, em 1937, e menos ainda em 1945, quando os de
tendência fascista convergiram com os admiradores das potências
anglo-americanas.
10.
Eleito em 1945, o Marechal Dutra (1946-1950), mentor do golpe de 1937,
reprimiu os comunistas, converteu-se mais que à “democracia” , à abertura
irrestrita às políticas do agrado de Washington.
11.
Entretanto, Vargas ganhara a simpatia dos trabalhadores, elegeu-se
senador por vários Estados, e voltou à presidência em 1951, por grande maioria
popular. Criou a Petrobrás e deu passos para a fundação da Eletrobrás.
Apoiou os excelentes projetos de sua assessoria econômica e cuidou de deter as
abusivas remessas de lucros ao exterior das transnacionais.
12.
Se prosseguissem as realizações de Vargas, o Brasil teria chances de se
desenvolver, e esse foi o móvel do golpe de agosto de 1954, organizado
pelas potências imperiais.
13.
Os agentes externos postos por esse golpe na direção da política
econômica instituíram enormes subsídios em favor dos investimentos das
transnacionais, que operavam em muitos mercados no exterior, cada um de
dimensões muito maiores que o brasileiro.
14.
Em vez de proteger as indústrias de capital nacional para viabilizar competirem
com as transnacionais, aquelas sofreram discriminação, com os imensos
subsídios que só podiam ser utilizados pelas corporações estrangeiras.
15.
Eleito para o quinquênio 1956-1960, Juscelino manteve esses subsídios e
estabeleceu facilidades adicionais para as empresas estrangeiras. Implantadas
no País, estas transferem ao exterior, de diversas maneiras, os enormes lucros
obtidos no mercado brasileiro, causando déficits no Balanço de
Pagamentos.
16. Primeira cena dessa tragicomédia: eleito, antes de tomar
posse, JK viajou ao exterior para atrair investimentos estrangeiros, com
notórios entreguistas na comitiva. Segunda cena: sai JK, entra Jânio
Quadros, e este envia ao exterior missão chefiada por Roberto Campos para rolar
dívidas externas vencidas, contratadas durante o governo de JK.
17. Depois do conturbado período entre a renúncia de Jânio e o
golpe de 1964, derrubando Goulart, o primeiro governo militar, a pretexto de
fazer face à alta da inflação e à crise externa, adotou, sob a direção de
Roberto Campos, políticas fiscal, monetária e de crédito restritivas,
eliminando grande número de empresas nacionais.
18. As lições econômicas disso tudo são importantes, como também
as lições políticas. Entre elas avulta esta: prevalece sobre a Constituição
escrita a regra constitucional, não-escrita, de que os governos em
regime “democrático” só concluem seus mandatos, se se curvarem às pressões das
potências imperiais.
19. Vargas e João Goulart realizaram políticas que visavam a
gerar maior autonomia econômica para o País, embora fizessem concessões ao
poder imperial.
20. Diferentemente, Dutra cedera aos interesses das potências
estrangeiras, e JK deu-lhes plena satisfação no essencial: a abertura aos
investimentos estrangeiros, escancarada pela outorga de privilégios que
permitiram as transnacionais, a médio prazo, assenhorear-se do mercado
brasileiro.
21. Até a proteção tarifária e não-tarifária aos bens duráveis
produzidos no Brasil significou uma vantagem a mais às multinacionais,
ampliada, quando, em 1969-1970, Delfim Neto estabeleceu vultosos subsídios para
a exportação de manufaturados, entre os quais créditos fiscais no valor do
imposto de importação dos bens de capital e dos insumos.
22. Os governos militares de 1967 a 1978 tentaram redinamizar a
economia sem alterar o modelo dependente, nem garantir espaço às empresas
nacionais em face da então já dominante ocupação do mercado pelas
transnacionais. O resultado disso nos leva a outro aniversário.
II - Agosto/setembro de 1982
23. Em 16.08.1982, o México declarou moratória. Em
seguida, o setembro negro, em que os gestores da política econômica brasileira,
sob o espectro da inadimplência, imploraram aos banqueiros internacionais
refinanciar as dívidas.
24. A crise de 1982 foi muito maior a de 1961, gerada pelas
políticas de 1954 a 1960. A causa essencial de ambas foi a mesma: a ocupação
dos mercados pelas transnacionais, intensificada de 1964 a 1982.
25. JK recebeu a dívida externa de US$ 1,4 bilhão em 1955. Ao
sair, deixou US$ 3,5 bilhões. Em 1964 ela fechou com US$ 3,1 bilhões,
pulando para US$ 43,5 bilhões, em 1978, e para US$ 70,2 bilhões em 1982,
tendo-se avolumado ainda mais pela elevação das taxas de juros e comissões, em
1979, além da composição desses encargos arbitrários.
26. As altas taxas de crescimento do PIB de 1967 a 1978 foram
pagas pelo povo brasileiro, não só com a queda do PIB, de 1980 a 1984, e a
estagnação nas duas décadas perdidas (anos 80 e 90). Em 1984, o Brasil
transferiu para o exterior 6,24% do PIB e mais 5,54% em 1985.
27. Mas o dano maior - e irreversível sob as presentes
instituições - é a deterioração estrutural. Essa
prossegue até hoje e se caracteriza pela infra-estrutura deficiente e pela
produção quase totalmente desnacionalizada, inclusive através das
privatizações de 1990 a 2002.
28. Há um processo cumulativo em que a desnacionalização faz
crescer a dívida, e esta é usada como pretexto para desnacionalizar mais.
Tudo isso faz prever novas e piores crises, em que cresce a desindustrialização.
29. As débâcles, como a de 1982, ilustram a mentalidade servil
diante dos “conselhos” e pressões imperiais, pois o Estado brasileiro curvou-se
às imposições dos credores, aceitando a integralidade de dívidas questionáveis,
depois de tê-las alimentado, subsidiando a ocupação estrangeira da economia e
inviabilizando a tecnologia nacional.
30. “O Globo” veicula a desculpa de Delfim Neto, de que o
colapso de 1982 decorreu da elevação dos preços do petróleo. Isso não
procede: a Argentina não importava petróleo, e o México era grande exportador.
O denominador comum das maiores economias latino-americanas é o modelo
dependente.
31. Nos anos 70, a Petrobrás já substituía razoável
quantidade de petróleo importado, e as importações eram pequena fração das de
Alemanha, Japão, França.
32. O primeiro choque do petróleo deu-se em 1973. Daí a 1982 são
nove anos. Tempo suficiente para medidas na estrutura produtiva, com resultados
em seis anos, antes, portanto, do segundo choque do petróleo em 1979.
33. Tecnologia não faltava para substituir as importações de
petróleo. O Brasil havia adotado, durante a Segunda Guerra Mundial, uma
solução que funcionou muito bem: o gasogênio, para mover os veículos, com
equipamentos que usavam carvão mineral do Sul, carvão e óleos vegetais. Foi
abandonado após a Guerra, mas poderia ter sido retomado em 1973.
34. Geisel apoiou Severo Gomes e Bautista Vidal, no
Programa do Álcool. Mas este não prosseguiu na forma planejada, nem se
avançou nos Óleos Vegetais, que oferecem ao Brasil grande campo – até
hoje inaproveitado – para produzir excelentes óleos e fabricar motores próprios
para eles.
35. O dendê, na Amazônia e no Sul da Bahia, pode render mais de
6 mil litros hectare/ano. Para produzir quase tanto como a Arábia
Saudita, ou seja, mais de cinco vezes o consumo brasileiro da época,
bastaria plantar dendê em 60 milhões de hectares, ou seja, 12% da Amazônia
Legal, associado a culturas alimentares. Em outras regiões a
macaúba dá 4 mil litros ha/ano.
36. Essas opções são mil vezes melhores para a ecologia que
extrair madeira para exportar, enquanto as ONGs vinculadas ao poder mundial
fazem demagogia a respeito do desmatamento da Amazônia.
37. O óxido de carbono só é absorvido pelas plantas quando
crescem. A Amazônia, com a floresta estável, não é pulmão do mundo. Esse papel
cabe aos oceanos, que as petroleiras mundiais poluem de modo brutal.
38. É fácil e praticado, há muito, na Alemanha, produzir kits
para adaptar motores ao uso de óleo vegetal. Melhor seria, mas o sistema de poder
nunca o permitiu - produzir motores para esse óleo, o verdadeiro diesel.
Biodiesel é um dos golpes do sistema para impedir o desenvolvimento dessas
tecnologias, bem como as da química dos óleos vegetais e da alcoolquímica.
39. A deterioração das contas externas no final dos anos 70
serviu de gazua para a penetração do Banco Mundial no Programa do Álcool,
desvirtuando-o, pois foi desvinculado da produção alimentar e tocado no
sistema de plantations e mega-usinas, hoje, na maior parte, desnacionalizadas.
40. Moral: se houvesse autonomia política, coragem e
discernimento, ter-se-ia aproveitado o choque do petróleo para desenvolver
produções agrárias e industriais com tecnologia própria e adequada aos recursos
naturais. Resultaria em prosperidade social incalculável com a energia
renovável, além de esse padrão de desenvolvimento autônomo estender-se a outros
setores.
41. Em suma, o mega-entreguismo de Collor e FHC não teria sido
possível sem as políticas inauguradas em 1954 e continuadas de 1956 a 1960 e de
1964 até hoje. Por que? Porque essas políticas engendraram a relação de forças
econômica e política determinante das desastrosas eleições daqueles dois.
III -
Sete de setembro de 1822
Está,
pois, claro que o povo brasileiro precisa de real independência e que esta não
existe. Não merece crédito o argumento de que há autonomia política, embora
falte a econômica, porquanto uma não é possível sem a outra. Não se confunda a
independência formal com a real.
* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor de
Globalização versus Desenvolvimento.
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