segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A presidente da Republica mantém a tradição de muitos predecessores, com discursos aparentemente nacionalistas, enquanto diariamente trata a soberania e o desenvolvimento do País como coisas descartáveis.



De: Adriano Benayon [mailto:abenayon.df@gmail.com]
Enviada em: segunda-feira, 30 de setembro de 2013 07:37
Para: 'Josue AB'
Assunto: artigo: A realidade é outra

A realidade é outra
Adriano Benayon * – 30.09.2013
A presidente da Republica mantém a tradição de muitos predecessores, com discursos aparentemente nacionalistas, enquanto diariamente trata a soberania e o desenvolvimento do País como coisas descartáveis.
2.  Ela denunciou o que foi mostrado por Assange  e, depois,  por Snowden e Greenwald: o governo dos EUA, suas agências e empresas apropriam-se de informações econômicas, estratégicas e até das das pessoas físicas de todos os países sem meios de impedi-lo.
3. A presidente disse que fará proposta para estabelecer um marco civil multilateral para a governança e uso da internet, em nível mundial, visando a “efetiva proteção dos dados". Essa proposta não tem chance alguma de ser adotada, mesmo porque  os EUA não  aceitam regras internacionais que se sobreponham às leis deles.
4. O jornalista Fernando Rodrigues foi ao ponto: “Dilma faria melhor se buscasse equipar o Brasil contra ataques cibernéticos. A presidente faz o oposto. Engavetou um projeto de Política Nacional de Inteligência que cria diretrizes para o Estado brasileiro se prevenir de ações de espionagem. O texto está pronto e parado, no Planalto, desde novembro de 2010.”
5. Em ótimo artigo, “O Discurso e a  Prática”  Paulo Passarinho, âncora do Faixa Livre da Bandeirante, recorda ter Assange  apontado que  China,  Inglaterra,  França, Alemanha e Rússia, entre outros, têm investido pesadamente nessa área estratégica e defende que o Brasil adote sistema de criptografia de tecnologia nacional.
6. Passarinho comenta: “Mas nossa realidade está muito distante dessa possibilidade. Graça Foster, a presidente da Petrobrás, por exemplo, declarou que a criptografia usada na empresa é de empresas americanas, porque não existem companhias brasileiras que prestem esse tipo de serviço. Snowden denunciou que a criptografia fornecida por empresas privadas norte-americanas é propositalmente falha e têm as chamadas “portas dos fundos”, para que a NSA possa driblar seus códigos e acessar os dados.”
7. Pior: após o discurso no palco da ONU, Dilma dirigiu-se a executivos de  300 grandes bancos e empresas transnacionais, em seminário sobre oportunidades de investimento no Brasil, promovido pelo Goldman Sachs, banco líder da oligarquia financeira.
8Pediu mais investimentos estrangeiros no petróleo e no programa de privatizações de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias etc.  Deseja, inclusive,  “a capacidade de gestão” dos estrangeiros.
9. Diz Passarinho:  O show de subserviência aos gringos foi total. Lembrou que “risco jurídico no Brasil não existe”, procurando destacar que ‘se tem um país que respeita contratos é o Brasil. E disso  nos orgulhamos’. É evidente que a presidente não se referia à Constituição, diariamente desrespeitada, especialmente no que tange aos direitos fundamentais dos brasileiros, por exemplo, aos  direitos sociais.”
10. Faz tempo que Dilma cede aos carteis mundiais. Consolidou a destruição do Estado, intensificada a partir de Collor, conforme o modelo imposto pelos saqueadores: o Estado desmonta suas estruturas,  sucateia sua experiência administrativa e afasta seus quadros competentes.
11. Assim, diz-se que o Estado brasileiro é  incapaz de fazer qualquer coisa, e então ele só faz  editais para concessões dos serviços e das atividades que lhe competem, um método que custa caríssimo ao País, mas arranja dinheiro, por exemplo,  para as campanhas eleitorais.
12. Seria incorreto atribuir a Dilma toda a responsabilidade pelo descalabro a que o Brasil foi empurrado, pois a coisa vem de longe. Acontece, desde janeiro de 1955, através dos favorecimentos propiciados ao capital estrangeiro.
13. Aí  foi dada a partida para chegar-se à  presente e avassaladora desnacionalização da economia e sua desindustrialização. Também à ascendência do poder econômico estrangeiro nas eleições e na política, envolvendo todos os poderes da República.
14.  De certa forma, Dilma segue  os passos de Juscelino Kubitschek, que jogou para a plateia, “rompendo com o FMI”,  após entregar o mercado brasileiro, a entre outras, à indústria automotora transnacional, até hoje a maior sugadora dos brasileiros.
15.  Se as atuais instituições brasileiras e os que as pilotam tivessem compromisso com a Nação, deveriam repudiar as privatizações criminosa e corruptamente realizadas, desde Collor e do notório FHC, em lugar de irem pelo mesmo caminho.
16. Esses crimes, que surripiaram da União e dos Estados patrimônios incalculáveis e avaliáveis, só no imediato,  em dezenas de trilhões de reais, e ainda custaram centenas de bilhões de reais, foram “justificados” até  por tribunais superiores, apesar das flagrantes ilegalidades,  sob a alegação de que a receita dos leilões serviria para reduzir a dívida pública.
17. Sim, a mesma dívida que, após a Constituição de 1988, já fez a União despender mais de 11 trilhões de reais, e, ainda assim,  cresce sem parar.  Sim, a dívida causada pelo modelo da entrega dos mercados às empresas transnacionais.
18. Só que, durante os oito anos da gerência de FHC -   auge das  privatizações - a dívida mobiliária federal interna cresceu de R$ 65,6 bilhões de reais para R$ 841 bilhões (12,8 vezes).
19. No mesmo período (dezembro de 1994 a dezembro de 2002), a dívida externa foi de US$ 73,6 bilhões para US$ 212 bilhões.
20. Nos oito anos de Lula a dívida mobiliária interna federal subiu para R$ 2,3 trilhões (2,7 vezes) e chegou a R$ 2,8 trilhões após dois anos de Dilma, no final de 2012.

21. Em 2013 o déficit de conta corrente vai para  US$ 90 bilhões (em 2012 foi U$ 54,2 bilhões), repetindo o filme de n outras crises causadas pelas  transferências das transnacionais.

22. Ora, no exato momento em que o País afunda sob a desnacionalização, o governo quer intensificá-la. A submissão aos diktats do poder mundial manifesta-se agora com o petróleo e obriga os que se interessam pela sobrevivência do País, a lutar para sustar o leilão do campo de Libra, marcado para 21 deste mês.

23. As reservas desse campo (estimadas em 90% do total das reservas provadas do País) dão a medida desse escandaloso leilão, mas não deveriam fazer esquecer outro deste ano, que é  imperioso anular:   a 13ª rodada, na qual os carteis internacionais do petróleo adquiram o grosso dos blocos. Nessa levam tudo, já que o marco legal dessa rodada é a lei 9.478, da época de FHC, que os  governos petistas não se interessaram em revogar.

24. Lula apenas tomou a iniciativa da Lei  12.351/2010, que instituiu regras diferentes só para o pré-sal, embora aquém do que exige o interesse nacional.

25. O Eng. Paulo Metri citou dados da ANP, de 2001, segundo os quais é  65% a média do que cabe aos países exportadores em óleo equivalente, nos contratos de partilha.  Venezuela, Colômbia e Noruega exigem retorno próximo a 90%.
26. Já o Eng. Fernando Siqueira mostrou que o edital da ANP determina  a partilha em função dos preços no mercado mundial e do volume da produção,  não garantindo  sequer o suposto mínimo de  41,65% para o País. 
27. Ilustrativa do absurdo do próximo leilão de Libra, foi esta resposta de Graça Foster, presidente da Petrobrás, ao jornal Valor: “Quando se fala em 30% de Libra, fico muito satisfeita. Custa R$ 4,5 bilhões. Mas a Petrobras sabe fazer, conhece cada centímetro desse poço de 6.036 metros de Libra que ela perfurou. ... o objetivo do governo é levar recursos para educação ...”
28. Foster confirma o óbvio, pois a Petrobrás descobriu o campo e já extraiu óleo do pré-sal. Ora, país nenhum leiloa áreas cujo potencial de produção já é conhecido. Os 30% que cabem à Petrobrás são determinados pela Lei 12.351, operadora necessária. Assim, as estrangeiras levam petróleo sem trabalhar.
29.   Confessando que o objetivo do governo é financeiro, o  absurdo fica maior, pois a produção só se iniciará daqui a anos, nada gerando a curto prazo.
30. As  verbas para a educação  têm aumentado muito.  Porém, são mal aplicadas: grande parte vai para estabelecimentos privados, a maioria dos quais vem sendo adquirida por grupos estrangeiros
31. Além disso, não há necessidade alguma de captar os recursos do bônus (15 bilhões de dólares), uma migalha diante do serviço da dívida programado para 2014: 1,2 trilhão de reais.
32. Para melhorar  as finanças públicas, basta diminuir os juros dos títulos do Tesouro. Dois pontos percentuais de redução nas taxas representam, em apenas um ano,  muito mais que os 35 bilhões reais do  bônus do petróleo, que é só um empréstimo oneroso: o dinheiro só entra uma vez e depois vai saindo.
33. A exploração do petróleo por companhias estrangeiras não cria elos positivos para a economia, já que elas não contratam empresas nem técnicos brasileiros para os equipamentos e serviços de exploração.

34. Não só o óleo, mas também o grosso dos ganhos vai para o exterior, o que torna pequeno o reinvestimento em capital fixo no País, que perde também a oportunidade de desenvolver mais tecnologia na área. 

35. A abundância de divisas com a exportação dá enorme poder financeiro às companhias exploradoras, incrementando ainda mais  fator a desnacionalização e a desindustrialização do País. A valorização da taxa de câmbio incentiva as importações de   maior valor agregado Tudo isso significa subdesenvolvimento programado.

37. Poucos parlamentares tomaram iniciativas contrárias ao leilão de Libra: projeto de decreto-legislativo do senador Requião e mais três;  ação popular de parlamentares do PSOL e senador Pedro Simon. Mais de 80 organizações protocolizaram carta no Palácio do Planalto pedindo sustar o leilão. Movimentos sociais acamparam em frente à Petrobrás.

38. Tudo isso é louvável, mas é pouco. Para ter algum resultado,  os poderes da República teriam de perceber forte pressão de massa, suficiente para equilibrar as pressões que sofrem permanentemente dos interesses antinacionais.

* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.



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