O estratégico nióbio
Adriano Benayon * - 11.11.2013
As ligas de
ferro-nióbio são o principal dos produtos do nióbio nas exportações
brasileiras, tendo totalizado US$ 4,8 bilhões, de 1996 a 2013. Somamos os dados,
ano a ano, que estão na tabela do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio.
2. O mercado é
fechado, estando concentrado em poucas empresas importadoras e pouquíssimas
empresas exportadoras. São transações entre empresas dos mesmos grupos ou
entre grupos associados. A CBMM, de Araxá, que exporta 90% do total, vende o
produto às suas próprias subsidiárias no exterior.
3. O preço seria muito
mais alto, se houvesse mercados abertos ou algum tipo de concorrência, a não
ser entre indústrias utilizadoras do metal.
4. A Bolsa de Metais
de Londres não informa sobre negociações com o nióbio. Muitas fontes dizem que
o nióbio não é negociado nessa bolsa nem em outras.
5. Encontrei na
internet notícia recente, 6 de setembro, da Bolsa de Metais de Bejing
(Pekim) nestes termos: “Os preços do nióbio metálico a 99,9% de pureza
permanecem estáveis em 115 a 120 dólares por quilo, na Comunidade de Estados
Independentes.” [Rússia, Ucrânia e outros]
6. Guardei também uma
cotação, de 22.01.2011, do sítio eletrônico “chemicool/elements/niobium”, de
nióbio puro (óxido de nióbio), a US$ 18.00 por 100 g = US$ 180.00 por quilo.
Além disso, outra, do mesmo ano, em que a barra de nióbio era cotada a US$
315,70 por quilo.
7. Isso é mais de 10
vezes o preço oficial da exportação brasileira desse insumo, i.é., US$ 30,00
por quilo, no último ano. Já o preço oficial da chapa de ferro-nióbio é menor ainda (R$
25,00), mesmo porque não se refere propriamente ao nióbio incorporado às ligas
de ferro-nióbio, nas quais o conteúdo de nióbio é diminuto, embora suficiente
para lhes dar qualidade muitíssimo acima das outras ligas metálicas.
8. Para ter uma ideia,
o preço oficial das exportações das ligas de ferro-silício e ferro-manganês,
têm estado em US$ 1,77 e US$ 2,25, respectivamente. Dez vezes inferiores aos do
ferro-nióbio.
9. Embora o óxido de
nióbio tenha muito valor no exterior, mormente transformado, após o processo de
redução, ele é de pouca significação nas exportações oficiais
brasileiras. O valor oficial de suas vendas ao exterior quase dobrou de
2009 para 2010, mas não é expressivo: foi para US$ 44 milhões, com preço médio
de US$ 30,00, para quase 1.500 toneladas.
10. Esse preço de um
produto processado em pouco supera o do minério bruto, que vem associado ao
tântalo e ao vanádio. As exportações oficiais desse minério chegaram, em 2012,
a quase US$ 50 milhões, com valor unitário de US$ 24,00.
11. Note-se que as
mineradoras instaladas no Brasil, a CBMM e a Anglo-American, têm, com as ligas
de ferro-nióbio, receita 36 vezes maior que a obtida com o minério bruto e 41
vezes maior que a obtida com o óxido de nióbio, mesmo contando-se só suas
provavelmente subfaturadas exportações.
12. Devem isso à
iniciativa do professor Bautista Vidal, titular, nos anos 70, da Secretaria de
Tecnologia Industrial. Ele mobilizou técnicos para criar o processo de
incorporar o óxido às ligas metálicas, através do Departamento de Engenharia de
Materiais - da Escola de Engenharia de Lorena- USP.
13. As exportações
oficiais das ligas de ferro-nióbio certamente não chegam a US$ 6 bilhões, desde
que começaram, nos anos 80, até hoje. Pois, em 1996, o volume ainda
era diminuto, e os preços, muito baixos. De então até 2013, conforme a Tabela
do MDIC, foram US$ 4,8 bilhões.
14. Causa, pois
surpresa esta notícia da Agência Bloomberg, dos EUA, publicada em 03/03/2013,
no Valor Econômico: “Família mais rica do Brasil fez US$ 13 bilhões com o sonho
do nióbio”.
15. Nela foi
reportado: “Ela [a CBMM, Companhia Brasileira de Metalurgia e
Mineração] vale
pelo menos US$ 13 bilhões, baseado na venda da família de uma parte de 30% para
um grupo de produtores de aço asiático por US$ 3,9 bilhões em 2011”.
16. O dado mais
notável da notícia da Bloomberg/Valor Econômico é este: “ ... os herdeiros de
Moreira Salles, a família mais rica do Brasil, seus quatro filhos, Fernando,
Pedro, João e Walter, controlam uma fortuna combinada de US$ 27 bilhões,
segundo o ‘Bloomberg Billionaires Index’ ”.
17. Levando em conta que
o outro patrimônio mais importante do grupo Moreira Salles era o UNIBANCO, um
banco que, há alguns anos, entrou em dificuldades e foi absorvido pelo
Itaú, parece nebuloso como foi possível acumular US$ 27 bilhões, com os
lucros decorrentes fundamentalmente das exportações de nióbio, valoradas
conforme as cifras oficiais.
18. De fato, os lucros
disso para a CBMM não poderiam passar muito de US$ 1 bilhão, diante destes
fatos: 1) faturamento de $ 6 bilhões; 2) mesmo que os lucros tivessem
sido sempre 50% do faturamento, não passariam de US$ 3 bilhões; 3) até 2007, a
CBMM só tinha 50% das ações, além de que a tecnologia e o provável controle
serem da Molybdenum Corp; dos EUA, do grupo Rockefeller; 4) desde 2011, há
grupos siderúrgicos asiáticos com 30% de participação na CBMM; 5) a CODEMIG
(estatal de Minas Gerais) tem 25% de participação nos “lucros operacionais” da
CBMM; 6) 10% das exportações oficiais provêm da Anglo-American.
19. Com cerca de US$ 1
bilhão de lucros acumulados, e mais os US$ 3,9 bilhões da venda de 30% do
capital da CBMM, admitindo que tenham ido inteiramente para o grupo Moreira
Salles, ainda se fica muito longe dos US$ 27 bilhões referidos na notícia
mencionada.
20. Fica, pois,
demonstrado que o Brasil está longe de ter, em seu proveito, as receitas reais
ou, no mínimo, as receitas reais possíveis, da extração de seu subsolo de um
metal tão precioso e estratégico como o nióbio.
21. A Constituição
nasceu com deficiências, e até fraudes, como a que privilegia o serviço da
dívida, e foi sendo emendada, quase que invariavelmente, para pior. E o que tem
de bom, fica, nas atuais condições, sem serventia. Exemplo: a propriedade do
subsolo e dos recursos minerais definidos como bens da União (art. 20, VIII, IX
e X).
22. Seria a base para
garantir o interesse do País nessa área. Entretanto, o Estado tornou-se
demissionário: praticamente tudo é objeto de concessões. No caso da principal
reserva de nióbio, a União a cedeu ao Estado de Minas. Este, depois de mais de
trinta anos de concessão à CBMM, renovou-a, em 2003, por mais 30 anos, sem
licitação.
23. Cabe indagar por
que as coisas são assim? Creio que vêm de longe e se foram agravando. Aí pelos
anos 50, alguns líderes ainda tentavam consolidar a consciência dos interesses
nacionais, e o País fazia progressos para o desenvolvimento. Nisso, o País
sofreu intervenções, como a conspiração que derrubou Vargas em 1954. Logo após
esse golpe, foram dados privilégios às empresas transnacionais, cujos carteis
foram esmagando, em crescente quantidade, promissoras indústrias nacionais.
24. Isso acentuou-se
sob JK, com a mesma política de atração de capitais estrangeiros, a qual fez
implantar o cartel da indústria automobilística. Esse, até hoje, produz
déficits externos e ainda se ceva de isenções fiscais e subsídios da União, dos
Estados e dos Municípios.
25. Ora, a
desnacionalização implica inviabilizar o desenvolvimento tecnológico e
faz que o apoio governamental à ciência e a tecnologia seja, na maior
parte, desperdiçado, pois as tecnologias só se desenvolvem em empresas atuantes
no mercado. E dele as nacionais têm hoje poucos nichos. A consequência é
a desindustrialização, entendida não só como regressão à produção
primária, mas também como confinamento da indústria a produções de baixo valor
agregado.
26. Os capitais
estrangeiros tornaram-se dominantes inclusive na informação, nas comunicações e
na política. As políticas passaram a ser desenhadas no seu interesse. Entre os
inumeráveis exemplos, está a lei Kandir, que isenta a exportação, inclusive de
produtos primários, de IPI, ICMS e contribuições sociais. Primeiro lei
complementar, ela ganhou mais status em 2003: através de EC, foi incorporada à
Constituição.
27. Então, a sociedade
fica sem forças para reagir, já que os empresários industriais nacionais foram
dizimados, e os que restam são acuados por políticas adversas. Tampouco os
trabalhadores estão bem organizados para defenderem o País, o que seria a
própria defesa deles.
28. Tivesse o País evoluído
nos últimos 59 anos, a economia ter-se-ia diversificado para patamares
crescentes de intensidade tecnológica, e, como no quartzo para os chips e a
eletrônica avançada, o nióbio estaria sendo utilizado, em grande escala,
nos bens de altíssimo valor agregado.
29. Nesse caso, não
estaríamos falando das perdas atuais com subpreços. Nem precisaríamos lembrar
que nosso percentual da oferta do nióbio é muito maior que a de todos os
membros da OPEP, juntos, no tocante ao petróleo. Poderíamos criar a Bolsa do
Nióbio e defender seus preços.
30. E ganharíamos
centenas de vezes mais ao fabricarmos bens de elevada tecnologia, competitivos,
livres dos carteis e de grupos concentradores.
31. Esse padrão de
desenvolvimento e de consciência dos interesses nacionais, por parte das
lideranças políticas, faria conhecer o real valor do nióbio e de outros
recursos naturais, e, assim, eles não seriam alienados por praticamente
nada. O Brasil teria também ganhado poder suficiente para defender seu povo e
seus bens.
[Notas: 1) a CBMM
pertence à holding financeira, Brasil Warrants, originalmente Brazilian
Warrants, adquirida em Londres, a qual seria controlada pela família Moreira
Salles; 2) documentos oficiais classificam como de seu interesse estratégico
dos EUA as reservas de nióbio situadas em Araxá (MG), concedidas à CMBB e
Catalão (GO), à mineradora britânica Anglo-American.]
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