sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Energia elétrica - o pesadelo dos modismos e da politicagem

Equívoco trágico
Reagimos emocionalmente a acidentes e fatos midiáticos com muito mais veemência do que pelos erros que cometemos em comunidade; omissões e ignorância das causas e efeitos de decisões erradas ou mal conduzidas, quando não com essas duas características, podem trazer danos físicos, morais, políticos e a perda de milhões de postos de trabalho, regressão econômica etc., tudo isso sem esquecer a fragilização da saúde, segurança e de estruturas importantes e dependentes de fluxo contínuo de recursos via impostos e taxas de serviço.
Repetindo, nossas atitudes refletem sentimentos imediatos e não a análise de custos e efeitos de questões mais importantes, mas distantes de nossa visão diária.
Serviços essenciais afetam a nossa vida profundamente; alguns deles simplesmente não podem falhar.
Já vai longe o tempo em que as grandes cidades eram uma raridade. Hoje as metrópoles aparecem como cupinzeiros, cobrindo o chão com estruturas aparentemente simples, mas dependentes mais e mais e muito mais de água potável encanada, saneamento básico sofisticado, energia via redes elétricas, postos de gasolina, redes de distribuição de gás, transporte de muitas espécies e finalidades, segurança e todas as demais atividades que viabilizam essas monstrópoles. Podem ser excelentes para nossa enlevação cultural, lazer, relações humanas, trabalho e acessibilidade a hospitais, asilos e por aí afora. Promovem sinergia, mas têm um microclima específico e um povo que não pode prescindir dos serviços formais considerados essenciais.
As grandes cidades são fragilíssimas. Podem ser desmontadas facilmente, faltando energia, por exemplo, ou sob o efeito de epidemias possíveis e devastadoras. Existem graças aos desenvolvimentos técnicos e novos padrões de comportamento.
Os terroristas descobriram isso, felizmente matam-se junto a suas bombas.
Dependemos, portanto, de gerenciamento lúcido, eficaz, onipresente. Quando isso não acontece advém o desastre e a possibilidade de catástrofes. Os erros e seus efeitos dependem da amplitude dos gestores, de seus cargos e poderes e, evidentemente, do que comandam e de suas equipes, normalmente mais vaidosas, egocêntricas e alienadas do que os seus caciques.
No Brasil e nas grandes ditaduras (radicalização ideológica, personalismo oportunista, palavras de ordem) isso fez história, ou melhor, continua fazendo, histórias deprimentes!
Se os modismos gerenciais e estruturais são perigosos, pior ainda é a utilização inconsequente de lógicas importadas. Na área energética tivemos restrições e acidentes inaceitáveis, indevidamente esquecidos, fruto da aplicação de desestratégias de desenvolvimento.
Energia é um tema permanente que vai do petróleo à eletricidade.
Os pesadelos tiveram momentos trágicos, alguns menos perceptíveis, como a inviabilização da nossa infraestrutura por D. Pedro II (Barão de Mauá)  e as restrições tarifárias no Estado Novo.
Evidente, graças às facilidades de comunicação e informação técnica foi o que aconteceu em tempos de FHC. O prejuízo à nação, contudo, nunca foi devidamente quantificado. Não temos tradição de quantificação de danos e perdas, nossas leis e a jurisprudência dos tribunais brasileiros favorecem a irresponsabilidade.
O Setor Elétrico padece de erros trágicos desde sua formatação no início do século passado. Lembrando os ensinamentos de Michel Foucault sempre estivemos fora de sintonia com a realidade e seu contexto técnico e econômico, não prestamos atenção às condições necessárias e suficientes a modelos importados. Precisamos de grandes especialistas, ou melhor, de muitos para pesquisar a Arqueologia do Saber no Brasil, quem sabe fazendo uma obra semelhante e dedicada à Engenharia. Mais ainda, em geral falta a coragem da verdade, de verdade, o desprendimento das análises que necessitamos...
Em tempos de mercado livre, feira, cassino etc. continuamos resvalando em figurinos mal ajustados.
A arquitetura institucional em torno da energia no Brasil está errada.
A energia é essencial, absolutamente necessária e importante demais para ficar ao gosto e caprichos de investidores.
Deixamos de privilegiar a segurança e a qualidade (Cascaes) para fazer de nossas concessionárias estatais e privadas instrumentos de satisfação de grupos econômicos pouco produtivos ou improdutivos.
Resultado de um academicismo ingênuo subordinado aos espertos de plantão, o modelo atual esqueceu de avaliar de forma adequada o que significa qualidade e confiabilidade. Continuamos com critérios radicalmente simplistas de mobilização de geração, manutenção de instalações, construção e operação de redes de distribuição e transmissão, subordinação suicida às lógicas do menor custo, menor tarifa, tudo sem levar em conta a importância de energia elétrica.
Nossos dirigentes raciocinam em curto prazo, infinitamente mais preocupados com os seus cargos e simpatias imediatas mentem ou não sabem o que falam. Temos gerências de escrivaninha, precisamos de pessoas com honestidade intelectual, amor à Pátria, ao povo que paga seus salários e cartões corporativos.
Como é de praxe no Brasil criamos mais e mais autarquias, repartições públicas e até empresas associadas à iniciativa privada. Nunca poderemos esquecer que os mamutes empresariais são fortes porque dominam o cenário político, não querem mudanças a favor dos menores. Detestam concorrência.
E os governantes?
Para começar nunca viabilizaram agências reguladoras fortes, a operação ficou em critérios elementares e regredimos. Se no início ainda tínhamos grandes profissionais, hoje, após PDVs insanos, vemos empresas e entidades públicas estratégicas nas mãos de pessoas sem qualidades necessárias e suficientes às suas atribuições.
A propósito, qual é o critério de nomeações?
Assassinaram a boa Engenharia. O que vale é a lógica do cassino e de mercados que ganharam status divino e pregações diárias em noticiários diários com pessoas capazes de prever o passado e esquecer o futuro. É interessante notar com que facilidade esquecem o que disseram antes...
Um sintoma da fragilidade do setor elétrico é o cenário atual, quando estamos mais uma vez com alta probabilidade de apagões[1] e possibilidade de racionamentos. Atrasos em grandes obras, estiagem e o estímulo ao consumo de energia somam-se numa equação perversa.
O planejamento é um desastre. Qual é o padrão de decisão? Simplesmente o que é mais barato? Energia renovável? Agradar ONGs ou empresários desesperados? Licitar usinas para consumidores eletrointensivos se apropriarem das melhores fontes de energia elétrica?
Fiscalização? Regulação?
Economizar energia é crime? Promover o uso inteligente da energia não interessa?
Um grande equívoco foi partir do princípio de que se poderia aceitar prazos curtos (coisas acadêmicas) e bem definidos para a entrada em operação a plena carga de usinas totalmente diferentes das termelétricas. Se as grandes hidrelétricas são singulares, cada uma com quase tudo ajustado às suas condições, a usinas térmicas são feitas em série, máquinas e conjunto predefinidos (e mesmo assim erram demais). Absurdamente adotaram critérios de planejamento estreitos.
Qual é margem de erro dos cronogramas? O que as estatísticas demonstram? Escapamos de cortes severos graças ao “Pibinho”?
Nossos “especialistas” revelam uma tremenda desonestidade intelectual ou incompetência. São pessoas inteligentes, como podem dizer e fazer tanta besteira? Ideologia? Esperança de revoluções redentoras? Subordinação tácita aos humores de ditadores irresponsáveis?
Um exemplo fantástico é o horário de verão, só falta dizer quantos miliwattxhora deixamos de gastar... Aliás, depois que inventaram as calculadoras digitais vemos até gasolina e álcool com preços de milésimo de Real em placas de postos de gasolina, pode?
O resultado é que vivemos tangenciando situações gravíssimas e oferecendo uma infraestrutura precária; quantas indústrias dependentes de boas concessionárias deixaram de se instalar no Brasil?
Mais uma vez estamos sob o risco de racionamento, quanto isso vai custar aos brasileiros?

Cascaes
12.2.2014
Cascaes, J. C. (s.d.). Qualidade e Confiabilidade do serviço ENERGIA ELÉTRICA . Fonte: Engenharia - Economia - Educação e Brasil : http://economia-engenharia-e-brasil.blogspot.com/2014/02/qualidade-e-confiabilidade-do-servico.html




[1] ...no português de Portugal, "apagão" é uma palavra que pode se referir a qualquer tipo de blecaute, especialmente cortes acidentais de energia, e não um racionamento forçado e multa por consumo, como inicialmente significava o apagão brasileiro, pois no português do Brasil, as quedas ocasionais de energia, quando o restabelecimento demora mais que alguns minutos, são denominadas blecaute. Wikipédia

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