Equívoco trágico
Reagimos emocionalmente a acidentes e fatos midiáticos com
muito mais veemência do que pelos erros que cometemos em comunidade; omissões e
ignorância das causas e efeitos de decisões erradas ou mal conduzidas, quando
não com essas duas características, podem trazer danos físicos, morais,
políticos e a perda de milhões de postos de trabalho, regressão econômica etc.,
tudo isso sem esquecer a fragilização da saúde, segurança e de estruturas
importantes e dependentes de fluxo contínuo de recursos via impostos e taxas de
serviço.
Repetindo, nossas atitudes refletem sentimentos imediatos e
não a análise de custos e efeitos de questões mais importantes, mas distantes
de nossa visão diária.
Serviços essenciais afetam a nossa vida profundamente;
alguns deles simplesmente não podem falhar.
Já vai longe o tempo em que as grandes cidades eram uma
raridade. Hoje as metrópoles aparecem como cupinzeiros, cobrindo o chão com
estruturas aparentemente simples, mas dependentes mais e mais e muito mais de
água potável encanada, saneamento básico sofisticado, energia via redes
elétricas, postos de gasolina, redes de distribuição de gás, transporte de muitas
espécies e finalidades, segurança e todas as demais atividades que viabilizam
essas monstrópoles. Podem ser excelentes para nossa enlevação cultural, lazer,
relações humanas, trabalho e acessibilidade a hospitais, asilos e por aí afora.
Promovem sinergia, mas têm um microclima específico e um povo que não pode
prescindir dos serviços formais considerados essenciais.
As grandes cidades são fragilíssimas. Podem ser desmontadas
facilmente, faltando energia, por exemplo, ou sob o efeito de epidemias
possíveis e devastadoras. Existem graças aos desenvolvimentos técnicos e novos
padrões de comportamento.
Os terroristas descobriram isso, felizmente matam-se junto a
suas bombas.
Dependemos, portanto, de gerenciamento lúcido, eficaz,
onipresente. Quando isso não acontece advém o desastre e a possibilidade de
catástrofes. Os erros e seus efeitos dependem da amplitude dos gestores, de
seus cargos e poderes e, evidentemente, do que comandam e de suas equipes,
normalmente mais vaidosas, egocêntricas e alienadas do que os seus caciques.
No Brasil e nas grandes ditaduras (radicalização ideológica,
personalismo oportunista, palavras de ordem) isso fez história, ou melhor,
continua fazendo, histórias deprimentes!
Se os modismos gerenciais e estruturais são perigosos, pior
ainda é a utilização inconsequente de lógicas importadas. Na área energética
tivemos restrições e acidentes inaceitáveis, indevidamente esquecidos, fruto da
aplicação de desestratégias de desenvolvimento.
Energia é um tema permanente que vai do petróleo à
eletricidade.
Os pesadelos tiveram momentos trágicos, alguns menos
perceptíveis, como a inviabilização da nossa infraestrutura por D. Pedro II (Barão de Mauá) e as restrições tarifárias no Estado Novo.
Evidente, graças às facilidades de comunicação e informação
técnica foi o que aconteceu em tempos de FHC. O prejuízo à nação, contudo,
nunca foi devidamente quantificado. Não temos tradição de quantificação de
danos e perdas, nossas leis e a jurisprudência dos tribunais brasileiros
favorecem a irresponsabilidade.
O Setor Elétrico padece de erros trágicos desde sua
formatação no início do século passado. Lembrando os ensinamentos de Michel
Foucault sempre estivemos fora de sintonia com a realidade e seu contexto
técnico e econômico, não prestamos atenção às condições necessárias e
suficientes a modelos importados. Precisamos de grandes especialistas, ou
melhor, de muitos para pesquisar a Arqueologia do Saber no Brasil, quem sabe
fazendo uma obra semelhante e dedicada à Engenharia. Mais ainda, em geral falta
a coragem da verdade, de verdade, o desprendimento das análises que
necessitamos...
Em tempos de mercado livre, feira, cassino etc. continuamos
resvalando em figurinos mal ajustados.
A arquitetura institucional em torno da energia no Brasil
está errada.
A energia é essencial, absolutamente necessária e importante
demais para ficar ao gosto e caprichos de investidores.
Deixamos de privilegiar a segurança e a qualidade (Cascaes) para fazer de nossas
concessionárias estatais e privadas instrumentos de satisfação de grupos
econômicos pouco produtivos ou improdutivos.
Resultado de um academicismo ingênuo subordinado aos
espertos de plantão, o modelo atual esqueceu de avaliar de forma adequada o que
significa qualidade e confiabilidade. Continuamos com critérios radicalmente
simplistas de mobilização de geração, manutenção de instalações, construção e
operação de redes de distribuição e transmissão, subordinação suicida às
lógicas do menor custo, menor tarifa, tudo sem levar em conta a importância de
energia elétrica.
Nossos dirigentes raciocinam em curto prazo, infinitamente
mais preocupados com os seus cargos e simpatias imediatas mentem ou não sabem o
que falam. Temos gerências de escrivaninha, precisamos de pessoas com
honestidade intelectual, amor à Pátria, ao povo que paga seus salários e
cartões corporativos.
Como é de praxe no Brasil criamos mais e mais autarquias,
repartições públicas e até empresas associadas à iniciativa privada. Nunca
poderemos esquecer que os mamutes empresariais são fortes porque dominam o
cenário político, não querem mudanças a favor dos menores. Detestam concorrência.
E os governantes?
Para começar nunca viabilizaram agências reguladoras fortes,
a operação ficou em critérios elementares e regredimos. Se no início ainda
tínhamos grandes profissionais, hoje, após PDVs insanos, vemos empresas e
entidades públicas estratégicas nas mãos de pessoas sem qualidades necessárias
e suficientes às suas atribuições.
A propósito, qual é o critério de nomeações?
Assassinaram a boa Engenharia. O que vale é a lógica do
cassino e de mercados que ganharam status divino e pregações diárias em
noticiários diários com pessoas capazes de prever o passado e esquecer o
futuro. É interessante notar com que facilidade esquecem o que disseram
antes...
Um sintoma da fragilidade do setor elétrico é o cenário
atual, quando estamos mais uma vez com alta probabilidade de apagões[1]
e possibilidade de racionamentos. Atrasos em grandes obras, estiagem e o
estímulo ao consumo de energia somam-se numa equação perversa.
O planejamento é um desastre. Qual é o padrão de decisão?
Simplesmente o que é mais barato? Energia renovável? Agradar ONGs ou
empresários desesperados? Licitar usinas para consumidores eletrointensivos se
apropriarem das melhores fontes de energia elétrica?
Fiscalização? Regulação?
Economizar energia é crime? Promover o uso inteligente da
energia não interessa?
Um grande equívoco foi partir do princípio de que se poderia
aceitar prazos curtos (coisas acadêmicas) e bem definidos para a entrada em
operação a plena carga de usinas totalmente diferentes das termelétricas. Se as
grandes hidrelétricas são singulares, cada uma com quase tudo ajustado às suas
condições, a usinas térmicas são feitas em série, máquinas e conjunto predefinidos
(e mesmo assim erram demais). Absurdamente adotaram critérios de planejamento
estreitos.
Qual é margem de erro dos cronogramas? O que as estatísticas
demonstram? Escapamos de cortes severos graças ao “Pibinho”?
Nossos “especialistas” revelam uma tremenda desonestidade
intelectual ou incompetência. São pessoas inteligentes, como podem dizer e
fazer tanta besteira? Ideologia? Esperança de revoluções redentoras?
Subordinação tácita aos humores de ditadores irresponsáveis?
Um exemplo fantástico é o horário de verão, só falta dizer
quantos miliwattxhora deixamos de gastar... Aliás, depois que inventaram as
calculadoras digitais vemos até gasolina e álcool com preços de milésimo de
Real em placas de postos de gasolina, pode?
O resultado é que vivemos tangenciando situações gravíssimas
e oferecendo uma infraestrutura precária; quantas indústrias dependentes de
boas concessionárias deixaram de se instalar no Brasil?
Mais uma vez estamos sob o risco de racionamento, quanto
isso vai custar aos brasileiros?
Cascaes
12.2.2014
Barão de Mauá. (s.d.). Fonte: http://www.e-biografias.net/biografias/barao_maua.php
Cascaes, J. C. (s.d.). Qualidade e Confiabilidade
do serviço ENERGIA ELÉTRICA . Fonte: Engenharia - Economia - Educação e
Brasil :
http://economia-engenharia-e-brasil.blogspot.com/2014/02/qualidade-e-confiabilidade-do-servico.html
[1] ...no português de Portugal,
"apagão"
é uma palavra que pode se referir a qualquer tipo de blecaute,
especialmente cortes acidentais de energia, e não um racionamento forçado e multa
por consumo, como inicialmente significava o apagão brasileiro, pois no
português do Brasil,
as quedas ocasionais de energia, quando o restabelecimento demora mais que
alguns minutos, são denominadas blecaute. Wikipédia
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