As concessionárias de energia elétrica – um pouco
da história da zorra total
A indústria eletro eletrônica, iniciada há um
século, mostrou um desempenho extraordinário. À medida que se percebeu o
caráter menos poluente, mais seguro e funcional da energia elétrica, ela ganhou
lares, escolas, hospitais, indústrias e cidades. A inventividade humana criou e
industrializou uma gama enorme de ferramentas e aparelhos elétricos.
A necessidade de construir mais e mais
usinas, linhas de transmissão e subestações deu origem às grandes empresas de
energia elétrica. E a organização impôs-se pela necessidade de interligar
sistemas, padronizá-las e coordená-las. A falta de divisas exigia
racionalização nos investimentos.
Infelizmente a cultura brasileira não era
afinada com o trabalho industrial, geração de empresas, pesquisa e
desenvolvimento de produtos e soluções. Nascemos dependentes, crescemos à força
da enxada e dos pastos e continuamos punindo os empreendedores, talvez nem
tanto os grandes e hábeis frequentadores das Cortes.
Quem nasceu e cresceu em cidades com vocação
empreendedora viu e descobriu o resultado da hostilidade de outros lugares e
seus habitantes querendo gastar suas fortunas nas cidades chiques e distantes
do Brasil. Gente que mandava no Brasil e não respeitava seu povo.
As empresas de energia elétrica poderiam ter
sido base para grandes indústrias. Logo controladas por grupos estrangeiros
praticamente nada fizeram a favor de nossa independência, ao contrário, por
artifícios fiscais e outros inibiram nosso desenvolvimento. Economistas de
aluguel e políticos prestativos fizeram história defendendo multinacionais que,
apesar de seus vícios de origem, foram extremamente importantes, muito mais por
omissão de nossos líderes.
A vida brasileira [(Gomes, 1808) (Gomes, 1822 -
Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro
ajudaram D. Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar errado.,
2010) (Gomes, 1889,
2013) ]
e o relacionamento com o Governo Imperial (Barão de Mauá) decidiram nosso
quadro político e econômico atual formando uma base cultural indiferente ao
empreendedorismo (Cascaes) .
Assim no Brasil a organização institucional
das empresas de energia elétrica acompanhou a expectativa de sua utilização e a
cultura política dominante.
Vamos à história.
Iniciamos o século vinte dentro de um clima
federalista e municipalista. Concessões, normas e custos eram problemas de cada
comunidade. Empresas eram formadas e desfeitas rapidamente. Competindo com
hábitos consolidados e a falta de estrutura comercial e industrial, o uso da
energia elétrica mostrou-se mais intenso nas grandes capitais, onde o ambiente
cosmopolita e o intercâmbio com grandes centros europeus e americanos davam
condições de acesso às novidades tecnológicas.
O ano de 1897 foi praticamente o marco zero da
introdução massiva da energia elétrica no nosso país. Nesse ano o capitão da
marinha italiana e empresário Francesco Antonio Gualco (Canadian
Council of Archives) , residente no Canadá, e o comendador
Antônio Augusto de Souza (SPTrans) , receberam da Câmara
Municipal de São Paulo a concessão do serviço de transporte urbano de
passageiros e cargas em bondes elétricos. Logo conseguiram a ampliação da
concessão original para a produção e distribuição de energia elétrica.
Paralelamente negociaram a transferência de suas concessões, com a orientação do
norte americano Frederick Stark Pearson, redundando na criação da “São Paulo
Railway, Light and Power Co. Ltd.”, com sede em Toronto, em 7 de abril de 1899,
por James Gunn e William Mackenzie. Em
17 de julho de 1900 obtiveram autorização (Decreto 3349) de funcionamento no
Brasil (vide 5). Em 30 de maio de 1905
os canadenses criaram a “Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd.”.
Vale notar aqui a prioridade de uso da energia elétrica na época, ou seja, o
transporte por bondes elétricos e a iluminação pública. Essa condição fazia das
grandes cidades um mercado atraente a investidores nessa área. Muitos países
tiraram proveito dessa situação para iniciar suas indústrias eletromecânicas.
Aqui só acordamos para a necessidade de criar efetivamente um parque industrial
nacional bem mais tarde, sob os efeitos dos embargos e bloqueios durante,
principalmente, a Segunda Guerra Mundial.
1927 foi o ano de início das atividades no
Brasil de outra multinacional peso-pesado, a “American and Foreign Power Co”.
(AMFORP). Nesse ano a Amforp criou a Empresas Elétricas Brasileiras, futura
CAEEB, atuando progressivamente no interior de São Paulo e em diversas capitais
do Nordeste e no Sul do Brasil (MARCONDES FERRAZ, Octavio, Um Pioneiro da Engenharia
Nacional) .
Com restrições mínimas ao capital estrangeiro, o Brasil era um grande e
promissor espaço para os investimentos que nossos capitalistas não faziam.
A partir de 1930, contudo, o Brasil iniciou
uma fase de centralização institucional que deu origem a uma legislação
concentradora de poder na União. Nosso Código de Águas só foi promulgado em 1934,
consolidando os poderes centrais. Gradativamente o governo federal, ditatorial
e fascista, criou normas e leis restritivas e de caráter nacionalista. As
empresas estrangeiras eram motivo de hostilidade das muitas lideranças afinadas
com os socialistas e nacionalistas. Por outro lado os grandes grupos econômicos
brasileiros pouco investiram nessa área. Se esse código e as leis consequentes
tinham o objetivo de induzir a participação da iniciativa privada brasileira,
falharam completamente. Principalmente as restrições sobre a remuneração, o
controle das tarifas e suas limitações afugentaram muitos que talvez
pretendessem atuar nessa área.
O final da Segunda Guerra Mundial e a
Constituição Federal de 1946 promoveram uma pequena inversão nesse processo.
Nessa fase consolidou-se o conceito de empresa sob controle nacional. A tese de
associações com empresas estrangeiras (não tínhamos uma indústria forte em
eletromecânica, capital e nem centros de P&D, sob comando local) ganhou
força. Apesar das teorias e propostas quase nada foi feito na área de energia
elétrica, mesmo nessa condição de abertura à iniciativa privada. Era o tempo
dos geradores diesel e do cada um por si. O Governo Dutra mostrou-se incapaz de
impor um projeto de um Brasil forte e autônomo[1].
Apesar do radicalismo entreguista e
subserviente a polos distantes, a luta pela formação da Petrobrás e o
nacionalismo aliado a visões socialistas gerou como subprodutos outras
propostas de monopólio estatal. Ao final de seu segundo governo Getúlio Vargas
esboçou um esquema de financiamento e organização do setor elétrico. Enviou ao
Congresso Nacional quatro projetos de lei onde o primeiro propunha a criação do
Imposto Único sobre a Energia Elétrica, o IUEE, e o Fundo Federal de
eletrificação, cuja Lei 2.308 foi sancionada em 31 de agosto de 1954, poucos
dias após o suicídio do presidente. Paralelamente foi proposto por Getúlio o
Plano Nacional de Eletrificação e a criação da ELETROBRÁS.
A estatização do setor elétrico começou
efetivamente com a criação da CHESF em outubro de 1945. Instalada em 15 de
março de 1948 teve grande sucesso na construção da Usina de Paulo Afonso (a
primeira unidade entrou em operação em 1955) além de formar profissionais
importantes. Essa obra foi um marco da engenharia nacional graças à genialidade
e operosidade de um grande brasileiro, Octavio Marcondes Ferraz [ (MARCONDES
FERRAZ, Octavio, Um Pioneiro da Engenharia Nacional) , (Memória da
Eletricidade) ].
Paralelamente criava-se a Comissão do Vale do São Francisco. Com recursos
orçamentários e a preocupação de desenvolver um plano racional de
desenvolvimento do vale do rio São Francisco, a Comissão apoiou a construção de
Três Marias com a CEMIG (criada em 1952). O sucesso dessas iniciativas foi a
base de outras empresas estatais e com elas o modelo que vimos até o desmonte
das grandes estatais no Brasil.
Coube ao governo JK avanços importantes rumo
à estatização. Ele encontrou o país ainda com enormes limitações ao seu
desenvolvimento por falta de oferta de energia elétrica. Os grupos LIGHT e
AMFORP não investiam o suficiente para garantir o atendimento a cargas
previsíveis em futuro próximo. Principalmente essas duas empresas tinham áreas
de concessão extremamente importantes. A demanda reprimida era grande. Com sua
experiência no governo de Minas Gerais e o apoio de técnicos excepcionais
partiu para a construção da Usina de Furnas, criando-se a Central Elétrica de
Furnas. Assim surgia como empresa de caráter regional, e na criação de uma
mentalidade integradora, em que as empresas de energia começavam a ter seus
sistemas interligados dentro de uma perspectiva de otimização dos recursos
energéticos.
Note-se que o ano de 1963, excepcionalmente
seco na Região Sudeste, não precisou de racionamento graças à entrada em
operação da Usina de Furnas. A colocação em serviço de suas unidades era vista
com alívio pelos paulistanos e por mim, estudante em São Paulo fazendo cursinho
para Engenharia.
Assim década de 50 viu o surgimento das
primeiras grandes empresas públicas de energia elétrica, federais e estaduais,
e o regime militar de 1964 aprimorou e consolidou um modelo bem estruturado,
estatal e de grande subordinação ao governo central e aos estaduais. A lógica
era bem clara, a União cuidando das grandes usinas e sistema de interligação
(início do Sistema Interligado Nacional (O que é o SIN - Sistema Interligado Nacional) ). Empresas federais
para geração e transmissão de energia elétrica foram criadas e fortalecidas,
enquanto os estados desenvolviam suas companhias estaduais para distribuição de
energia e em alguns casos, com destaque a Minas Gerais, São Paulo e Paraná,
também geração e transmissão de energia elétrica. Essa configuração teve um bom
desempenho até o início de políticas tarifárias irrealistas e, consequentemente,
períodos de inadimplência extremamente graves. O governo federal mais uma vez
usou seu poder de estabelecer tarifas como instrumento de controle da inflação
e obtenção de divisas, forçando o endividamento externo das concessionárias.
Mais uma vez o Brasil parava na demagogia e
incompetência.
A subordinação do tema eletricidade mostra o
que foi a saga da eletricidade no Brasil.
Em tempos republicanos a energia elétrica era
assunto do Ministério da Agricultura até a criação do Ministério de Minas e
Energia em 1960 (Governo JK) e instalado apenas no Governo Jânio Quadros. A
ELETROBRÁS (agora sem acento agudo e em processo de desmonte (ELETROBRAS) , (Ilumina -
Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico) ), Centrais Elétricas
Brasileiras S.A., foi criada pela Lei 3.890 de 1961 e implantada no ano
seguinte. Operando como holding do Setor Elétrico federal constituiu-se em peça
importante na formação do sistema interligado brasileiro e construção de
diversas grandes usinas, vindo a ser a maior acionista da CHESF, FURNAS,
ELETRONORTE (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A., constituída em 1973) e
da ELETROSUL (Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A., instalada em 1968). A
CHEVAP, Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba foi criada pela União em 1960
para a construção da usina do Funil (216 MW). Absorvida pela ELETROBRÁS em 1965
teve seu acervo transferido para FURNAS e 1967. Essa empresa, CHEVAP, foi
constituída tendo como acionistas minoritários os estados do Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas Gerais e Guanabara.
No processo de estatização convém também
lembrar a formação da COPEL, Companhia Paranaense de Energia Elétrica, em 1954,
CESP, Centrais Elétricas de São Paulo S.A., em 1966, CEEE, Companhia Estadual
de Energia Elétrica, criada em 1966 sobre a Comissão Estadual de Energia
Elétrica, formada em 1943.
ITAIPU, gerada por acordo entre o Paraguai e
Brasil (ELETROBRÁS) em 1973, foi o maior empreendimento na área de energia
elétrica do governo brasileiro. Empresa binacional, com 12.600 MW de potência
instalada, teve um grande sistema de transmissão de energia associado, de
responsabilidade de FURNAS e ELETROSUL, consolidando a união dos sistemas
interligados das regiões Sul e Sudeste.
A criação de empresas estaduais de energia
elétrica, a grande maioria absorvendo concessionárias menores, consolidou a
presença estatal na área elétrica e viabilizou a eletrificação acelerada do
Brasil mais eficaz.
Infelizmente muitas companhias estaduais se
perderam em administrações incompetentes ou desonestas. Com grande capacidade
de investimentos e de capitalização, transformaram-se em minas de grande valor
nas politicagens e levantamento de recursos para fins inconfessáveis. As
tarifas sendo definidas pela União, as contas de Itaipu impostas e um plano de
expansão arbitrado em conjunto com a ELETROBRÁS diminuiu a responsabilidade dos
governadores. Assim alguns puderam exercer suas más intenções atribuindo ao
Governo Federal suas mazelas. A inadimplência generalizou-se desmoralizando
suas empresas e o Setor Elétrico.
Assim foi o Setor de Energia Elétrica.
Cascaes
6.2.2014
(s.d.).
Fonte: Ilumina - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico:
http://www.ilumina.org.br/zpublisher/secoes/home.asp
Barão de Mauá. (s.d.). Fonte:
http://www.e-biografias.net/biografias/barao_maua.php
Canadian Council of Archives. (s.d.). Francisco
Antonio Gualco. Fonte: ARCHIVESCANADA.ca:
http://www.archivescanada.ca/english/search/ItemDisplay.asp?sessionKey=1149011692062_206_191_57_196&l=0&lvl=1&v=0&coll=1&itm=263896&rt=1&bill=1
Cascaes, J. C.
(s.d.). Caminhos seguros para o EMPREENDEDOR . Fonte: Caminhos seguros
para o EMPREENDEDOR Comentar, discutir a situação do empreendedor de pequeno
porte no Brasil. O empresário rural ou urbano enfrentam o caos criados por leis
feitas para grandes empresas e repartições públicas que precisam evoluir a
favor : http://micro-e-pequeno-empreendedor.blogspot.com/
ELETROBRAS. (s.d.). Fonte:
ELETROBRAS: http://www.eletrobras.com/elb/data/Pages/LUMIS293E16C4PTBRIE.htm
Gomes, L.
(s.d.). 1808. Fonte: Livros e Filmes Especiais, Como uma rainha louca,
um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
História de Portugal e do Brasil:
http://livros-e-filmes-especiais.blogspot.com.br/2013/02/1808.html
Gomes, L.
(2010). 1822 - Como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por
dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil - um país que tinha tudo para dar
errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira Participações S.A.
Gomes, L.
(2013). 1889. Fonte: Livros e Filmes Especiais:
http://livros-e-filmes-especiais.blogspot.com.br/2013/11/1889.html
livro sobre o
Barão de Mauá e o Império. (s.d.). Fonte: IVOX:
http://www.ivox.com.br/opiniao/?id=10157
MARCONDES
FERRAZ, Octavio, Um Pioneiro da Engenharia Nacional. (s.d.). Memória
da Eletricidade.
Memória da
Eletricidade. (s.d.). Fonte: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil:
http://www.memoriadaeletricidade.com.br/default.asp?pagina=home&menu=321&menusecao=Default
O que é o SIN -
Sistema Interligado Nacional. (s.d.). Fonte: ONS:
http://www.ons.org.br/conheca_sistema/o_que_e_sin.aspx
SPTrans. (s.d.).
Cronologia do Transporte Coletivo em São Paulo. Fonte: SPTrans:
http://www.sptrans.com.br/museu/Cronologia_Transporte.pdf
[1] De
caráter desenvolvimentista, Eurico Dutra reuniu sugestões
de vários ministérios e deu prioridade a quatro áreas: Saúde, Alimentação,
Transporte e Energia (cujas iniciais formam a sigla SALTE). Os recursos para a
execução do Plano SALTE seriam provenientes da Receita
Federal e de empréstimos externos. Entretanto, a resistência da
coalizão conservadora e a ortodoxia da equipe econômica acabaram por
inviabilizar o plano, que praticamente não saiu do papel. Wikipédia
Nenhum comentário:
Postar um comentário