De: Adriano Benayon [mailto:abenayon.df@gmail.com]
Enviada em: terça-feira, 30 de dezembro de 2014 21:17
Para: muriloj.souza@gmail.com
Assunto: Artigo: Crise interna e mundial
Enviada em: terça-feira, 30 de dezembro de 2014 21:17
Para: muriloj.souza@gmail.com
Assunto: Artigo: Crise interna e mundial
Crise interna e mundial
Adriano Benayon * - 30.12.2014
O ano termina sob o espectro de perspectivas preocupantes
no âmbito nacional e no do poder mundial.
2. Isso recomenda que os povos assumam atitude engajada e
participativa, livre das falsas lideranças que iludem tanta gente, e, assim, se
libertem de um sistema que os despoja e aliena.
3. No País persiste o assédio para que se desnacionalizem
as poucas grandes empresas públicas e privadas sob controle nacional que ainda
lhe restam.
4. Historicamente, os agentes das campanhas nesse sentido
valeram-se sempre, como ocorre atualmente, da retórica moralista para atingir
seu real objetivo.
5. Vivemos sob um sistema político em que os aspirantes
aos cargos eletivos dependem de exposição na TV – um espaço fechado aos não
comprometidos com os reais donos e beneficiários desse sistema. Dependem também
de dinheiro grosso para as campanhas eleitorais, num país em que a economia é
concentradíssima e desnacionalizada.
6. Nessas condições, ainda que o Executivo estivesse
nas mãos de titular solidamente apoiado pela maioria da sociedade, ele não
teria como colocar os interesses dela acima dos grupos que concentram o poder
real.
7. Estes elegem a grande maioria do Congresso e,
sustentando-se na grande mídia, exercem ascendência ideológica
sobre o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia, os quadros técnicos e
administrativos da Fazenda, Banco Central etc.
8. Além disso, a autonomia dada pela Constituição a esses
órgãos e a instituição das agências independentes permitem ações e iniciativas
descoordenadas, em que preferências pessoais substituem políticas
coerentes orientadas pelo interesse público.
9. Ademais, cargos na Administração, nas agências do
Estado e nas grandes empresas e bancos estatais são usados pelos chefes do
Executivo, inclusive os do PT - pois lhes falta maioria no
Congresso, onde prevalece o toma-lá-dá-cá - como moeda de barganha com partidos
políticos, em nome da “governabilidade”.
10. Isso não significa que a corrupção tenha aumentado em
relação a Collor e FHC, mais claramente engajados com a oligarquia financeira
mundial - e cujas eleições foram por ela patrocinadas.
11. Os casos de corrupção nos entes públicos e nas
estatais servem como instrumentos de chantagem operados por revistas de
opinião - tradicionalmente amparadas por serviços secretos estrangeiros – e
como munição para alvejar as estatais e fazer que a União as entregue a troco
de nada.
12. De qualquer forma, os petistas no Executivo
são, de há muito, acuados para cederem mais espaço aos quadros da
confiança da oligarquia, e, quanto mais fazem concessões, mais ficam
vulneráveis, e mais são alvo de ataques desestabilizadores.
13. Desde antes da eleição presidencial, o
epicentro da crise tem sido os escândalos nas encomendas da Petrobrás, com ou
sem licitações.
14. A presidente ficou na defensiva, pois a Administração
não se antecipou nas investigações à Polícia Federal e ao Ministério
Público. Enfraqueceu-se, assim, em face das pressões que têm
por obter mais concessões em favor das grandes transnacionais do
petróleo: mais leilões e abertura ao óleo do pré-sal, mais ampla e
favorecida que a que já lhes tem sido proporcionada pela ANP.
15. No mesmo impulso de tornar a Petrobrás um botim da
onda privatizante, as transnacionais aproveitam para colocar em cheque as
empreiteiras, conglomerados de capital nacional, atuantes em numerosas
indústrias e serviços tecnológicos.
15. Seja sob o atual governo, manipulado para ceder
mais, seja sob políticos mais intimamente vinculados ao império angloamericano,
como os do PSDB, trama-se a culminação do processo de desnacionalização da
economia e de destruição completa da soberania nacional.
16. Na economia, a desnacionalização e demais defeitos
estruturais geraram mais uma crise, tendo - mesmo com baixo crescimento
do PIB - o déficit de transações correntes com o exterior aumentado em
mais de 12% em 2014, após crescer de US$ 28,2 bilhões em 2008 para U$ 81
bilhões em 2013.
17. Enquanto a sociedade não forma um movimento para
construir modelo econômico e social viável, é importante entender que só isso a
poderá salvar. Golpe parlamentar, judicial, ou do tipo que for, para trocar de
presidente e de partido no governo, apenas agravaria a situação.
18. O futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy -
não nestes termos - declarou-se favorável a medidas macroeconômicas ao
gosto do “mercado financeiro”, i.e., dos grandes bancos mundiais e
locais. É, pois, desse modo que a presidente espera enfrentar mais uma
crise recorrente causada pelas estruturas políticas e econômicas do modelo
dependente.
19. Essas estruturas são: a primarização e perda de
qualidade relativa do que sobrou da indústria; a concentração; a
desnacionalização da economia. Elas implicam que o Brasil está mal
posicionado diante das dificuldades, sem falar no desastre estrutural derivado,
que é a dívida pública.
20. Essa já cresceu demais, devido aos juros
compostos a taxas absurdas, e crescerá mais, mesmo com a volta do superávit
primário para pagar juros, uma vez que os feiticeiros incumbidos de sanar a
crise não pretendem baixar as taxas. Muito pelo contrário...
21. Completando o conjunto de fatores -
incuráveis sem mudança de sistema político e econômico - estão aí as
infra-estruturas deterioradas, desde há decênios, como as da energia e dos
transportes.
22. Vejamos algumas das ideias de Levy externadas em
entrevista ao “Valor”, na qual defendeu o consenso dos banqueiros e economistas
“liberais”, em versão moderada, i.e., sem o radicalismo das propostas dos
candidatos que se opuseram à presidente.
23. Levy não tem como escapar às contradições e aos
impasses a que conduzem seus planos. Ele pretende, por exemplo, aumentar
a abertura no comércio exterior.
24. No quadro de retração econômica em quase todo o
Mundo, não é provável obter concessões significativas em troca de maior
abertura do Brasil às importações. Ademais, o objetivo de conter a
inflação dos preços importando mais bens e serviços, sem conseguir exportar
mais, implica fazer crescer o crítico déficit nas transações correntes.
25. Levy fala também de corrigir preços relativos. Mas o
que quer dizer com isso? Se os subsídios que deseja suprimir são os do crédito
dos bancos públicos, as empresas mais prejudicadas serão as
de capital nacional, já que as transnacionais dispõem de
crédito baratíssimo no exterior.
26. Certamente, Levy não visa cortar os privilégios
fiscais do sistema financeiro, nem os dos carteis industriais transnacionais,
como as montadoras, nem intervir em seus mercados através do fomento a
concorrentes independentes. E, sem isso, os preços relativos que mais se
precisa corrigir não serão alterados.
27. Ou o preço que, na visão dos macroeconomistas
oficiais, estaria precisando ser reduzido seriam os salários?
28. O futuro comandante da economia propugna, em
especial, por acabar com a dualidade das taxas de juros, aproximando as taxas
dos bancos públicos e as dos bancos privados.
29. O liberalismo é, sobre tudo, um rótulo, pois os
concentradores usam a palavra mágica “mercado” como álibi para ocultar a
identidade de quem exatamente manipula o mercado.
30. Então os que se filiam aos interesses dos carteis,
proclamam que não cabe ao governo intervir no mercado, que deve ser
competitivo, i.e., governado pela concorrência, embora ele o faça para elevar,
por exemplo, as taxas de juros.
31. Não se informa que os preços nos mercados
cartelizados não são dirigidos pela concorrência, mas, sim, pelo consenso dos
concentradores. Os bancos são favorecidos pela Constituição, cujo artigo
164 veda ao Banco Central financiar o Tesouro, e este é proibido de
emitir moeda. Além disso, só um número limitado de bancos é autorizado a
comprar e vender títulos do Tesouro.
32. Está claro, portanto, que a equalização das taxas
recomendada por Levy só pode ser feita determinando aos bancos públicos elevar
suas taxas.
33. Passando ao contexto mundial, no império
angloamericano, satélites europeus e outros, têm prevalecido a degeneração
estrutural: financeirização e retração da economia real.
34. O centro do poder mundial fez meia pausa na escalada
de intervenções armadas, planejadas desde 2001, visando, pelo menos, até ao
Irã, depois de ter arrasado, entre outros, Líbia e Iraque, e se ter apossado de
suas imensas reservas de petróleo e de seu ouro.
35. Isso decorreu de ter sido a ocupação da Síria
contida pela Rússia, que se tornou o alvo primordial da agressão econômica e do
cerco militar imperiais, intensificado com o golpe de Estado na Ucrânia e a
ocupação do governo desta por prepostos dos EUA.
36. China, principalmente, e Índia são as maiores
exceções ao panorama de retração econômica, no momento em que a Rússia busca
sobreviver à pressão imperial intensificando suas relações com seus parceiros
asiáticos.
37. Há que seguir de perto a evolução do jogo de poder
mundial, cujo equilíbrio constitui condição fundamental, embora não
suficiente, para que o Brasil construa estruturas essenciais a seu progresso.
* - Adriano Benayon é doutor em economia
pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
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