De: Adriano Benayon
Enviada em: domingo, 17 de agosto de 2014 23:39
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Assunto: Artigo: G. Vargas e a independência
Getúlio Vargas e a independência
Adriano Benayon * - 12.08.2014
Aproxima-se o 60º aniversário do golpe de Estado com
o qual a oligarquia angloamericana derrubou o presidente Vargas, em 24 de
agosto de 1954.
2. Esse acontecimento teve efeitos tão desastrosos como
importantes. Trata-se, nada menos, que da cassação da independência do
Brasil.
3. A soberania do País nunca foi plenamente exercida,
mas, se houve governante que tomou iniciativas para alcançá-la, esse foi
Getúlio Vargas.
4. Exatamente por isso, a oligarquia imperial
angloamericana sempre conspirou contra ele, com a ajuda de pseudo-elites e de
agentes locais da política e da mídia, em geral recrutados por meio de
corrupção.
5. Em 1932, a oligarquia paulista promovera o fracassado
movimento de 9 de julho, movida pelos interesses britânicos. Intitularam-no
constitucionalista, conquanto Getúlio organizara as eleições para a
Constituinte que votou a Constituição de 1934, a qual instituiu significativos
avanços econômicos e sociais.
6. Tão profunda como a estima dos verdadeiros industriais
e a veneração dos trabalhadores brasileiros a Getúlio, foi a ojeriza da minoria
desorientada pelos preconceitos da “democracia” liberal e dos contrários à
industrialização, alimentada pela hostilidade da mídia, caluniosa e
falsificadora dos fatos.
7. Vargas fora forçado, durante a Segunda Guerra
Mundial, a ceder bases militares no Nordeste aos EUA, e cometeu o erro de
insistir em enviar a Força Expedicionária Brasileira à Itália. A FEB foi
equipada e armada pelos EUA e combateu sob comando norte-americano.
8. Daí se criaram laços entre os comandantes e oficiais
de ligação estadunidenses e os oficiais brasileiros que conspiraram nos quatro
golpes pró-EUA (1945, 1954, 1961 e 1964.
9. Em outubro de 1945, o pretexto foi derrubar um
ditador, o que não tinha sentido, pois o presidente viabilizara eleições, já
marcadas para o início de dezembro, e não era candidato. Após o golpe,
recomendou votar no marechal Dutra, pois o brigadeiro Eduardo Gomes
representava os que sempre se haviam oposto a Vargas.
10. Quando Vargas, eleito em 1950, voltou à
presidência, nos braços do povo, já estava em marcha a desestabilização de seu
governo, a qual culminou com o crime da rua Toneleros, já em agosto de 1954.
11. O crime foi dirigido pelo chefe da delegacia de
ordem política e social (DOPS), famosa por seus métodos desumanos de repressão
aos comunistas, desde a época do Estado Novo, instituído por golpe militar, em
1937.
12. Esse golpe proveio de oficiais do exército, que
colocaram Felinto Muller na chefia da polícia. Vargas, presidente
constitucional desde 1934, permaneceu à frente do governo, mas não teve
poder e/ou vontade suficiente para limitar significativamente as
violências.
13. Ele sempre foi contemporizador, negociava com pessoas
de diferentes tendências e, por vezes, as colocava ou mantinha no
governo. Ao voltar Vargas, em 1951, continuou na DOPS o filonazista Cecil
Borer, que vinha da administração do marechal Dutra. Como tantos
pró-nazistas, mundo afora, movido pelo anticomunismo, Dutra subordinou-se aos
interesses dos EUA.
14. Apesar de seus erros, Vargas merece lugar de honra na
história do Brasil, por ter dado o indispensável apoio do Estado ao
desenvolvimento industrial, que despontava desde o início do século XX e ganhou
força, de 1914 a 1945, graças também à redução dos vínculos comerciais e
financeiros com os centros mundiais, propiciada pelas duas guerras e a longa
depressão dos anos 30.
15. Antes do fim da Segunda Guerra Mundial, o
império já planejava fazer abortar esse processo. Mais tarde, diria o notório
Henry Kissinger: “para os EUA seria intolerável o surgimento de uma nova
potência industrial no hemisfério sul.”
16. Os serviços secretos dos EUA e do Reino Unido vinham,
de há muito, operando na desestabilização do presidente. Em 1954, Borer
envolveu informantes da polícia e pistoleiros no crime da Toneleros, que matou
o major Vaz, da aeronáutica, simulando que o alvo seria o virulento
adversário de Vargas, Carlos Lacerda.
17. Na armação policial-jornalistica-militar, Vaz, casado
e pai de filhos pequenos, substituiu, na ocasião, o solteiro major Gustavo
Borges. Lacerda engessou o pé dizendo ter tomado um tiro de revólver,
mas, se isso fosse verdade, o pé teria sido destroçado. Nunca se
encontrou um prontuário de atendimento em hospital.
18. A conspiração enredou a guarda pessoal do presidente
e o fiel guarda-costas Gregório Fortunato, que foi torturado e ameaçado para
confessar o que não fez. Condenado a 15 anos de detenção, foi assassinado na
prisão, em operação de queima de arquivo.
19. O golpe de 1954 é o maior marco negativo da
história do Brasil, pois o governo udenista-militar, dele egresso, criou
vantagens incríveis para as empresas transnacionais dominarem por completo a
produção industrial do País. Fez os brasileiros pagar caríssimo para serem
explorados.
20. Foi, assim, inviabilizado o desenvolvimento de
tecnologias nacionais, a não ser por grandes empresas estatais ou apenas em
nichos menores, no caso de indústrias privadas nacionais, ainda assim,
fadadas a ser desnacionalizadas.
21. Tanto o golpe de 1964, que instituiu os governos
militares, como a falsa democratização, a partir de 1985, intensificaram as
políticas pró-capital estrangeiro em detrimento do País.
22. Os governos de 1954-1955 e 1956-1960 (JK) foram
motores da desnacionalização da economia. Os de Collor e FHC os mais
monoliticamente entreguistas. Nenhum operou reversões nessa marcha infeliz.
23. A herança hoje é a desindustrialização e a colossal
dívida pública, tendo a União já gastado nela, desde 1988, quase 20
trilhões de reais. Além disso, recorrentes crises devidas aos déficits de
comércio exterior.
24. As realizações do presidente Vargas fazem dele
o principal heroi nacional e exemplo para futuros líderes. Mas não sem
reservas, porque lhe faltou combatividade e espírito revolucionário.
25. Não me parece verdade que o nobre sacrifício de sua
vida tenha frustrado os objetivos dos imperialistas. Preservaram-se as
estatais, mas a própria Petrobrás - que já nascera sem o monopólio na
distribuição, o segmento mais lucrativo – acabou, em parte, arrancada da
propriedade estatal. Além disso, nos anos 90, ocorreram as
doações-privatizações de dezenas de fabulosas estatais, algumas criadas
durante governos militares.
26. A grande derrota estratégica deu-se com a
entrega dos mercados e da produção industrial privada às transnacionais.
Sem isso, a dívida externa não teria explodido em 1982, nem sido torradas as estatais,
a pretexto de liquidar dívidas públicas, as quais, depois disso, ao
contrário, se avolumaram como nunca.
27. O momento para evitar esse lastimável destino, era
com Vargas, amado pelo povo, que foi às ruas, em massa nunca vista,
pronto a tudo, quando de sua morte. Aí não havia liderança, nem plano.
28. Getúlio precisava ter cortado, no nascedouro, os
lances que minaram suas bases de poder. Entre estes, o acordo militar
Brasil-Estados Unidos, de 1952, negociado por Neves da Fontoura, ministro das
Relações Exteriores, e por Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior das
FFAA, sem o conhecimento do ministro do Exército, Estillac Leal.
28. Este se demitiu, pois Vargas assinou o acordo, e, com
isso, cedeu aos que, mais uma vez, o traíam, e perdeu seu ministro
nacionalista.
29. Fraquejou novamente em 1953, quando, embora mantendo
o correto reajuste do salário mínimo, demitiu João Goulart do ministério do
Trabalho, medida exigida em memorial assinado por 82 coroneis do Exército.
Nesse episódio, caiu o ministro do Exército, Cyro do Espírito Santo Cardoso.
30. Não era tarefa simples sustentar-se sob constante e
intensa pressão contrária da alta finança angloamericana, a qual não economiza
recursos nem hesita em recorrer à corrupção e a práticas celeradas. Entretanto,
a pior maneira de reagir a essa pressão é fazer concessões, em vez de cortar a
crista dos golpistas.
31. Deixando de coibir aquelas práticas, Vargas
facilitou o caminho dos inimigos. Sobraram-lhe escrúpulos, ao exagerar em sua
tolerância, para não ser acoimado de ditador. Faltaram bons serviços de
inteligência e a compreensão de que seria derrotado, se não mobilizasse o
povo e a oficialidade nacionalista.
* - Adriano Benayon é doutor em economia e
autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.