Data: 2 de maio de 2012 10:23
Assunto: artigo - tecnologia e desenvolvimento
Para:
...diante da honra
vai a humildade. Pv 18:12 Assunto: artigo - tecnologia e desenvolvimento
Para:
ג'ואן קרלוס
Prezados,
Segue artigo.
Cordialmente,
AB
‘Tecnologia, Desenvolvimento e
Ilusões
Adriano Benayon * - 02.05.2012
No momento em que surgem novos avanços na
nanotecnologia e na criação de materiais, como o grafeno, é fundamental
compreender a interação da tecnologia com o desenvolvimento econômico e social.
2. Indispensável afastar ilusões, pois
não há algo de que se fale tanto e de que se entenda tão pouco como essa
interação. Mesmo os que trabalham em inovar com produtos e
processos não têm, na maioria, a percepção de como um país se desenvolve
através da tecnologia.
3. Na teoria econômica, ela é vista como
progresso técnico e elemento externo à função de produção, na qual entram os
fatores: recursos naturais, trabalho e capital (conjunto de máquinas,
instrumentos e materiais utilizados na produção).
4. Alguns autores assinalam o papel da
tecnologia como fator organizativo, que determina a composição e a proporção
dos fatores de produção.
5. Os que exercem poder sobre o capital,
privado ou público, escolhem a tecnologia a ser adotada. Para isso,
baseiam-se, de um lado, no que os técnicos criam e, de outro, nas estratégias
de mercado e/ou nos objetivos da política econômica. Os criadores de
tecnologias as desenvolvem em função de suas ideias e do que lhes é demandado
por parte dos que comandam o capital.
6. Fator invisível, mas concreto, da
produção, a tecnologia decorre do trabalho, pois é gente que a produz:
engenheiros, técnicos, artesãos (como nos primeiros séculos da
industrialização) ou operários.
7. Por outro lado, tendo valor - e muito,
do ponto de vista do mercado e em termos monetários - a tecnologia é quase
sempre apropriada pelos detentores do capital, podendo a mais-valia ser
especialmente elevada.
8. De resto, o ordenamento jurídico da
propriedade industrial está no Acordo TRIPS (Trade Related Intellectual
Property Rights) da Organização Mundial do Comércio (OMC), aprovado no Brasil,
no final de 1994.
9. Esse acordo protege, muito mais que os
direitos dos inventores, as corporações transnacionais. É instrumento da
oligarquia para aprofundar o apartheid tecnológico, impedindo a absorção de
tecnologia por países e empresas de menor desenvolvimento.
10. A lesão ao desenvolvimento
tecnológico do País foi reforçada com a Lei de Propriedade Industrial, 9.279/1996,
enviesada em favor das empresas transnacionais, que controlam os mercados no
Brasil.
11. Essas legislações inserem-se no salto
qualitativo do crescimento da concentração do poder sob o império
anglo-americano, em seguida ao desmantelamento da União Soviética. Foi assim
radicalizada a apropriação da tecnologia pelos concentradores transnacionais do
poder econômico.
12 Se, antes de 1990, já prevalecia o
comando do capitalismo – por definição, concentrador – sobre os benefícios e os
rendimentos monetários advindos da tecnologia, esta passou, desde então, a ser
cada vez mais amplamente expropriada do Estado, dos empresários médios e
pequenos, bem como dos técnicos e demais trabalhadores.
13. Tal como os demais bens suscetíveis
de serem públicos, ou de - embora privados - beneficiarem o conjunto da
sociedade, a tecnologia vem sendo objeto da privatização concentradora.
14. E o que isso tem a ver com a
desindustrialização do Brasil, com o baixo percentual de empregos de qualidade,
com as infra-estruturas econômica e social mal construídas e deterioradas? E
com o enorme déficit nas transações correntes com o exterior, o qual não
arrefece nem com a redução da demanda, como foi em 2011?
15. Ora, o Brasil, após agosto de
1954, foi sendo inviabilizado em termos de desenvolvimento econômico e social,
ao ter continuadamente subsidiado a ocupação do mercado por empresas
transnacionais. Com esse tipo de ocupação, não se desenvolvem tecnologias
nacionais, pois raras são as as empresas de capital nacional que subsistem no
mercado.
16. Aí reside um ponto-chave: tecnologia
capaz de alavancar o desenvolvimento só cresce dentro de empresas em competição
nos mercados. Entretanto, domina, na opinião comum, a falsa concepção de
que o Brasil está atrasado tecnologicamente porque investe pouco em educação,
ciência, pesquisa básica e tecnologia.
17. É verdade que investe relativamente
pouco. Mas o grave mesmo é que, desse pouco, quase nada resulta em proveito da
economia do País. Por que? Porque não há empresas nacionais evoluindo com
progressos tecnológicos próprios. Elas simplesmente ficaram sem chance de
permanecer no mercado ou de nele entrar, salvo em raros e passageiros nichos,
logo apropriados pelos concentradores, principalmente transnacionais.
18. Poderíamos comparar a tecnologia aos
nutrientes e adubos de uma planta, que seria a empresa produtiva. Ora, se a
planta não é nossa, de pouco nos serve alimentá-la.
19. As transnacionais têm seus centros
tecnológicos, em geral nas matrizes, e utilizam nas subsidiárias daqui a
tecnologia já paga no exterior durante anos de vendas, o que lhes permite custo
real zero no Brasil. Não têm, pois, interesse em investir nem em adquirir
alguma aqui desenvolvida.
20. Se alguma lhes interessar, quase nada
pagarão por ela, porque, controlando o mercado em sistema de oligopólio, impõem
os preços e as condições, na qualidade de únicas compradoras. O que fizeram
muito foi adquirir empresas nacionais apertadas pela política econômica, que as
oprime em favor das ETNs.
21. Esta é a síntese da questão, como
expus e documentei no meu livro “Globalização versus Desenvolvimento: Não
existe país que se tenha desenvolvido, havendo entregado seu
mercado a empresas comandadas por capitais estrangeiros.
22. Portanto, o conceito de
“transferência de tecnologia” no Brasil só tem sentido na direção inversa
àquela em que costumam falar dele: de brasileiros para as transnacionais dos
países ditos desenvolvidos, ao contrário do que acontece(u) nos países
realmente em desenvolvimento.
23. Agradeço ao Prof. Weber de
Figueiredo, da UFRJ, por me ter transmitido um exemplo típico da
ilusão “desenvolvimentista” fomentada por JK: a
eliminação de mais um projeto de indústria nacional, a Romisetta.
24. Figueiredo assim resumiu
informações de Fernando Campanholo sobre esse veículo produzido pela
Romi, empresa brasileira de Santa Bárbara do Oeste (SP), de 1956 a 1959:
“O
governo JK abriu linha de financiamento subsidiado destinado às
multinacionais de automóveis que se estavam instalando no Brasil. A nacional
Romi também pleiteou o financiamento, deixando os burocratas embaraçados, pois
o financiamento fora pensado apenas para as multinacionais. Mas uma solução
engenhosa foi encontrada. O governo baixou uma portaria definindo que
automóvel é o veículo que tem dois bancos, o dianteiro e o traseiro! E, assim,
a brasileira Romi foi jogada para escanteio, ficando fora do financiamento
oficial, falindo a sua linha automotiva.”
25. A Romisetta era um carro leve, de um
só banco. Mas o importante é começar a produzir para o mercado, o primeiro
passo para evoluir em tecnologia. Não importa não ser de primeira linha.
26. O Fusca da VW chegou a mais de 50% do
mercado, dominou-o por mais de vinte anos e pouco evoluiu. Fora desenvolvido
nos anos 1930, e a VW ganhou o incrível subsídio, dado às
multinacionais, em 1954, de registrar como investimento em moeda, o
equipamento e tecnologia de produção, então mais do que amortizados. Portanto,
custo zero para o capital e a tecnologia. Além disso, com JK, mais subsídios,
como o financiamento oficial.
27. Campanholo conclui: “A fabricação
de 3.000 unidades no Brasil no período de 1956 até 1961, principalmente
comparados às 22.543 Isettas-BMW fabricadas somente em 1956 pela Alemanha, fica
como triste lembrança de quanto nós estamos suscetíveis e passivos aos mandos e
desmandos do capital estrangeiro. Até hoje.”
28. Resultado: as transnacionais, que
ficaram com o mercado brasileiro de graça, continuam recebendo subsídios e
remetendo centenas de bilhões de dólares para o exterior, a diversos títulos.
Isso significa descapitalizar o País.
29. O Brasil foi programado pelo império
anglo-americano para ser uma área de exploração de recursos naturais, em
condição semelhante à maioria dos países africanos, submetidos ao mesmo tipo de
intervenção. Além disso, em base de lucros provenientes também da indústria,
controlada pelas transnacionais.
30. Foram elementos-chave da estratégia
para que esse programa tenha sido realizado a pleno contento das potências
imperiais e associadas: 1) a intervenção política e militar diretamente junto
aos governos brasileiros; 2) a intervenção do dinheiro e da corrupção nas
eleições, no sistema formalmente democrático; 3) o genocídio cultural; 4) o
fomento da crença em que a entrada do capital estrangeiro favorece o
desenvolvimento, complementa a poupança nacional, e em outras falácias.
31. Os entreguistas, culminando com os
mega-entreguistas Collor e FHC, radicalizaram a aplicação dessa fé
bizarra e fatal. Foram muito além da simples abertura ao comércio: fizeram o
Estado brasileiro subsidiar os investimentos diretos estrangeiros, de forma
inacreditável, e discriminar contra o capital nacional.
32. O Brasil não deixará de ser um
país saqueado e enganado pela conversa fiada, enquanto não se reverter, de modo
cabal, tudo isso e a mentalidade subjacente.
33. Eis algumas consequências para um
país que participa do BRICs e pleiteia assento permanente no Conselho de Segurança
da ONU, só para ser enrolado pela potência dominante:
"Dos 25 navios da Marinha
de Guerra do Brasil apenas 14 estão em condições de
navegar, e dos seus 23 aviões apenas um tem condições de
levantar voo. Enquanto isso, a Rússia, a Índia e a China são potências
nucleares, detentoras de tecnologia militar de altíssimo nível..."
"Não produzimos sequer uma calculadora de bolso,
pois falta-nos até fábrica de chips – somos meros montadores
de aparelhos eletrônicos."
*
- Adriano Benayon é Doutor em Economia e autor de “Globalização versus
Desenvolvimento” abenayon.df@gmail.com
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